Mulher relatou, em entrevista à TV Bahia, que o relacionamento com Tancredo Neves durou meses e teve um filho com ele. O suspeito confessou o feminicídio e admitiu que asfixiou Patrícia Jackes. Ele teve a prisão em flagrante convertida em preventiva.
“Ele dizia que iria dar um tiro na minha boca, que era para um carro passar por cima de mim e me esbagaçar”, relatou uma mulher sobre o relacionamento que teve com Tancredo Neves, homem suspeito de matar a delegada Patrícia Jackes, no domingo (11), em São Sebastião do Passé, na Região Metropolitana de Salvador.
Mulher relatou, em entrevista à TV Bahia, que o relacionamento com Tancredo Neves durou meses e teve um filho com ele. O suspeito confessou o feminicídio e admitiu que asfixiou Patrícia Jackes. Ele teve a prisão em flagrante convertida em preventiva.
“Ele me colocava como errada e ele como vítima. Mas aí eu descobri que ele tinha uma noiva e ele negou. Quando eu disse que não queria mais [se relacionar com Tancredo], ele me bloqueou, eu também bloqueei ele e segui minha vida”, contou.
A ex-companheira de Tancredo disse, no entanto, que depois ele passou a fazer ameaças contra ela e a família. Foi quando ela decidiu solicitar uma medida protetiva contra o suspeito.
“Ele dizia se caso fosse preso, iria dar um tiro na minha boca, que era para um carro passar por cima de mim e me ‘esbagaçar’. Ele me dizia ser um sociopata. Quando eu pesquisei o que era, vi que os traços dele era de um e eu me afastei totalmente”, contou a mulher.
A ex-companheira do suspeito disse que quando soube da morte da delegada Patrícia Jackes, pensou que isso poderia ter acontecido com ela própria.
“Poderia ter sido minha mãe chorando. Se tivesse sido eu, infelizmente não daria em nada. Diversas vezes eu fui na delegacia porque ele estava descumprindo a medida protetiva e chegava lá eu nunca era ouvida”.
A mulher ainda contou que Tancredo Neves diminuía ela como mulher. “Na primeira oportunidade que eu vi que ele era desse jeito, eu me saí e ele acabou comigo. Ele me destruiu. Como é que uma pessoa pode ser desse jeito? Eu acreditava que ele era doente”, finalizou.
Casos de violência doméstica
Antes da morte da delegada Patrícia Jackes, Tancredo Neves, de 26 anos, já colecionava boletins de ocorrência e processos contra ele. O suspeito é alvo de inquéritos por violência doméstica e exercício ilegal da Medicina.
A ficha criminal dele veio à tona após o assassinato da chefe de polícia, com quem o suspeito mantinha um relacionamento.
Conheça o histórico do suspeito
De acordo com o delegado Arthur Gallas, do Departamento de Polícia Metropolitana, há pelo menos 26 registros policiais contra Tancredo Neves, tendo quatro deles evoluído para inquéritos policiais.
“Desde menor, ele já se envolvia em problemas, o que indicava que era uma pessoa perigosa e que não media esforços para agredir pessoas e tirar a vida, como foi o caso”, disse o investigador.
Inquérito por violência doméstica
Em janeiro de 2022, uma mulher que se relacionou com Tancredo Neves registrou uma queixa por lesão corporal dolosa contra ele na cidade de Serrinha. De acordo com o relato do crime, o suspeito deixou marcas no pescoço da vítima.
Durante o interrogatório, na segunda, o suspeito falou sobre o caso. Na versão dele, seu relacionamento com a vítima se resumiu a um encontro sexual. Ele acusou a mulher de agredi-lo e de interrogar sua noiva, que estava grávida na época. A então noiva repetiu essa mesma versão em depoimento à polícia.
Medida protetiva após ameaça
Em abril de 2023, a Vara Criminal de Queimadas aceitou o pedido de medida protetiva de urgência apresentado por uma ex-companheira de Tancredo Neves. No boletim de ocorrência, a vítima relatou que ele respondia suas mensagens com palavras de baixo calão e fazia ameaças, “dizendo que [sic] um carro que passasse por cima dela” e que daria um tiro na moça se fosse condenado.
Outras ocorrências do tipo
Também durante o interrogatório, Tancredo Neves foi questionado sobre a acusação de ter jogado uma mulher do quinto andar de um prédio, no Paraná. O suspeito negou o crime, cujo processo tramitou entre 2018 e 2019. Segundo ele, a mulher em questão era sua namorada e admitiu ter se jogado posteriormente.
Na coletiva de imprensa realizada na terça-feira (13), o diretor de Polícia Metropolitana, André Gallas, mencionou ainda uma denúncia registrada por uma médica de Feira de Santana. De acordo com o investigador, ela não prosseguiu com a queixa por medo.
Exercício ilegal da Medicina e falsidade ideológica
Além dos casos de violência, Neves é alvo de um inquérito por exercício ilegal da Medicina e falsidade ideológica. Ele teria se formado no Paraguai, mas não possui certificado para trabalhar como médico no Brasil.
O suspeito foi denunciado por uma paciente do Hospital Português de Euclides da Cunha, no extremo sul da Bahia, em outubro de 2022. O homem estaria usando o carimbo com número de registro do pai, Arylton Feliciano de Arruda, que é médico regular.
O genitor também foi investigador e chegou a ser desligado da unidade de saúde por colocar o filho no estágio regular.
O g1 e a TV Bahia tentam contato com a defesa de Arylton Arruda, mas não obteve retorno até o momento. Por meio de nota, a assessoria do Hospital Português de informou que o médico foi desligado imediatamente após a unidade tomar conhecimento do ocorrido.
Delegada pode ter sido morta horas antes de corpo ser encontrado
Em meio às investigações sobre a morte da delegada Patrícia Jackes, a Polícia Civil suspeita que ela tenha sido assassinada em Sapeaçu, no recôncavo baiano. O corpo da chefe de polícia foi encontrado dentro do carro dela, na manhã de domingo (11), em São Sebastião do Passé, na Região Metropolitana de Salvador.
O diretor da Polícia Metropolitana (Depom), Arthur Gallas, disse que desconfiou de Neves desde o primeiro contato. O delegado plantonista atendeu a denúncia falsa de sequestro.
“A gente achou que a conversa estava mal contada, de forma muito fria, apresentando uma versão totalmente inapropriada”, explicou o delegado em coletiva de imprensa realizada pela Secretaria de Segurança Pública (SSP-BA) nesta terça (13).
O titular da Depom destacou pelo menos três inconsistências:
Durante o primeiro interrogatório, Tancredo Neves disse que os dois pararam o carro em Sapeaçu apenas para urinar, momento em que três indivíduos em uma motocicleta teriam abordado o casal. Para a polícia, a história pareceu pouco crível, pois uma moto comporta, no máximo, dois adultos.
Uma segunda lacuna na história inventada é de que os suspeitos teriam abandonado Neves na estrada, com o celular. Isso não fez sentido para os investigadores, já que os indivíduos teriam exigido transferências em dinheiro para o casal. A polícia também questionou por que Neves esperou “um tempo” até acionar as forças de seguranças, e não as procurou imediatamente.
Um outro ponto de destaque foi o confronto entre o relato do suspeito e as imagens registradas no pedágio. O suspeito disse que estava sob controle dos supostos sequestradores, que estariam sentados no banco de trás — Neves dirigia o veículo, com Patrícia no carona. No entanto, as imagens mostram que o banco carona estava arreado, reduzindo o espaço ao fundo, e Patrícia parecia imóvel, já morta ou desacordada.
“Uma coisa meio contraditória e a forma como ele se portou no pedágio, [o suspeito estava] sorrindo, brincando”, comentou o delegado.
Neves ainda apresentou marcas compatíveis com uma briga dentro do veículo, como arranhões do lado direito do pescoço e lesão no cotovelo direito, “compatível com a lesão que ela tem na face e no nariz”.
A polícia agora aguarda os laudos periciais para confirmar o horário e o que causou a morte, além de alguns exames relativos ao uso de drogas. De acordo com a corporação, informações obtidas indicam que Neves é usuário de entorpecentes.
Linha do tempo do crime
Também presente na coletiva de imprensa, a delegada-geral Heloísa Brito disse que a corporação mobilizou as equipes logo que foi notificada sobre o suposto sequestro. Assim, a polícia identificou que o carro de Patrícia passou cerca de 40 minutos em Sapeaçu, o que levou a suspeita de que esse tenha sido o local do crime.
Confira a cronologia dos fatos entre a noite de sábado (10) e a madrugada de domingo (11), conforme descritos pela delegada:
22h: Patrícia Jackes e Tancredo Neves foram a um bar em Santo Antônio de Jesus após jantarem em outro estabelecimento, onde ela compartilhou fotos dos dois em aparente harmonia.
23h52: sistema de câmeras da Secretaria de Segurança Pública (SSP-BA) registrou passagem do carro deles pela cidade.
01h: veículo passou pelo pedágio, quando foi possível ver uma pessoa com as mesmas vestes de Patrícia, imóvel no banco do carona — polícia suspeita que Patrícia já estava morta ou desacordada.
2h40: Tancredo Neves, sozinho, passa a circular pela BR-324. A polícia destacou que ele “teve o trabalho de atravessar quatro pistas e andou mais 2 km, onde fez a ligação pedindo socorro”.
No local, o suspeito pediu apoio à ViaBahia, concessionária que administra o trecho da rodovia, e acionou a polícia, mentindo sobre o falso sequestro.
O homem foi orientado a se dirigir até a delegacia mais próxima, no caso a de Amélia Rodrigues, a cerca de 90 km de Salvador. Ele registrou o boletim de ocorrência e sustentou a versão de que foram sequestrados durante uma parada para urinar em Sapeaçu.
De acordo com Heloísa Brito, o delegado no plantão desconfiou da história relatada por Neves e prosseguiu colhendo o depoimento até as 4h40 da madrugada. O próprio suspeito solicitou o rastreamento do carro e indicou aos agentes onde o veículo poderia estar.
Às 5h10, o carro foi encontrado em uma área de mata às margens da BR-324, no trecho de São Sebastião do Passé. O corpo de Patrícia estava no veículo, com sinais de estrangulamento.
Confira o que se sabe e o que falta esclarecer sobre o crime
1. O suspeito confessou o crime?
Em depoimento na segunda-feira (12), Tancredo Neves admitiu que inventou para a polícia a versão que os dois teriam sido sequestrados. O suspeito falou que “girou o cinto de segurança no pescoço dela” para se defender de supostas agressões durante uma discussão.
A causa da morte ainda é investigada, no entanto, a suspeita é de que ela tenha sido vítima de estrangulamento, pois o investigado confessou que “girou o cinto de segurança no pescoço dela” e começou a enforcá-la, com o objetivo de fazer a mulher parar de bater nele.
2. Qual o relato do suspeito?
O suspeito contou para a polícia que os dois saíram para beber em Santo Antônio de Jesus, e Patrícia ficou alcoolizada, segundo ele. Na saída do estabelecimento, a delegada teria decidido viajar para Salvador a fim de comprar roupas.
Tancredo Neves relatou que durante a viagem eles pararam para urinar na BR-101, no trecho de Sapeaçu, no recôncavo. Ainda no trajeto, disse para a mulher que os dois precisavam repensar a relação.
O suspeito detalhou que a mulher “nunca saía armada e na noite do ocorrido não foi diferente”, contudo, já havia sido ameaçado com arma de fogo, e que ela perdia o controle emocional com frequência.
A reação de Patrícia, segundo Tancredo, foi de descontrole e ameaças de morte contra a família e a filha dele. Nesse momento, ela puxou o volante do carro, provocando a colisão contra uma árvore.
Depois, Patrícia começou a bater no companheiro, que usou enrolou o cinto de segurança no pescoço dela. Segundo ele, o objetivo não era matar a delegada, e sim fazer com que ela parasse as agressões.
O homem ainda disse que notou que Patrícia estava desacordada após menos de um minuto, saiu do carro e chamou a polícia. Conforme Tancredo Neves, ele não sabia que a mulher estava morta.
3. Qual o histórico policial do suspeito?
Antes de se relacionar com a delegada, Tancredo Neves já colecionava denúncias e processos apresentados por outras mulheres com as quais se relacionou. Em todos os casos, ele nega as agressões.
Questionado sobre o que explicaria o fato de “tantas mulheres terem registrado fatos” contra ele, o homem alegou apenas que “xinga muito”.
O investigado também é alvo de um inquérito por exercício ilegal da Medicina. Tancredo Neves reconheceu a existência do processo, contudo, nunca foi intimado, conforme ele.
O homem se apresenta como médico, formado no Paraguai, mas disse que não exerce a profissão. Os indiciamentos por exercício ilegal da medicina e falsidade ideológica aconteceram depois que a Polícia Civil de Euclides da Cunha concluiu as investigações em 2022. Os documentos foram remetidos ao Ministério Público da Bahia (MP-BA).
Por meio de nota, o Conselho Regional de Medicina do Estado da Bahia (Cremeb) informou que não há nenhum médico registrado com o nome de Tancredo Neves Lacerda Feliciano de Arruda.
4. Quem era a delegada?
Patrícia Neves Jackes Aires nasceu em Recife, capital pernambucana, e tinha um filho. Bacharel em Direito e especialista em Direito Penal e Processo Penal, a delegada tomou posse em 2016, sendo designada em seguida para a delegacia de Barra, no oeste da Bahia.
Depois, comandou as delegacias de Maragogipe e São Felipe, no recôncavo, antes de ter sido lotada em Santo Antônio de Jesus, na mesma região, onde atuava como plantonista.
Patrícia Jackes tinha forte atuação na prevenção e enfrentamento às violências de gênero. Em 2021, ela passou pelo Núcleo Especializado de Atendimento à Mulher (NEAM), da 4ª Coordenadoria de Polícia, no município de Santo Antônio de Jesus (BA).
Antes de se formar em Direito, Patrícia se graduou em Licenciatura Plena em Letras. Ela trabalhou por 12 anos como professora de línguas portuguesa e inglesa.